Normalmente era aos sábados. Dirigia-me com a minha mãe ao CC Castil, que na altura, anos 80, era considerado muito glamoroso! Esta incursão incluía muitas vezes também a antiga "Cenoura", loja que ficava mesmo ao lado, onde eu me deliciava com aquela roupa cheia de cor e folhinhos, e cuja dona, uma muito simpática "D. Fernanda", nos recebia sempre muito bem, o que agora se designa como "tratamento vip"!
Noutros tempos, o "sair de casa de propósito para ir comprar roupa" era um ritual, e um 'acontecimento' que só sucedia de longe a longe, muitas vezes só em alturas especiais e festivas: nosso aniversário, Natal, ou porque chegávamos ao Verão e a nossa mãe era obrigada a comprar-nos um pequeno novo enxoval, pois já nada, absolutamente nada, nos servia.
Muito diferente da atualidade, em que se faz do comprar roupa e sapatos uma atividade corriqueira, que chega a ser quase diária para muitos!
Mas voltemos ao Castil: logo que lá entrávamos, pela porta principal, confrontávamo-nos de imediato com um quiosque em forma de laranja gigante, no ventre da qual se abria um balcãozinho com muitas deliciazinhas ótimas - tudo lá era bom! -, e uma cabeça de uma senhora, por detrás do mesmo, a "D. Olga"!
Na altura eu, criança e depois pré-adolescente, entendia-a como "entradota", agora vejo que se calhar era mais nova do que eu sou agora!!
Era uma senhora boa. Uma senhora sofrida, com uma vida difícil, que por vezes explanava à minha mãe em episódios bem duros, outras envolta nalgum mistério.
Mas sem dúvida que era uma senhora muito boa. Estou a vê-la, cabelo preto sempre meio desgrenhado, claro, tinha lá ela dinheiro para cabeleireiro ou para o tratar melhor, um corpo que se descuidou, uma cara com flacidez precoce porque se descuidou, um abandonar-se só para prestar serviço aos outros e sobreviver.
Mas sempre um sorriso. Sempre o sorriso!!...
Um sorriso de onde se adivinhavam uns dentes mal-tratados também, mas com uns olhos tão meigos a encimarem-no, de um castanho a escorregar mel, uma expressão de bondade extrema e uma atitude voltada para fora, para agradar, para cumprir bem as suas obrigações.
Ela adorava-nos, e mais uma vez éramos tão bem recebidas e atendidas!
Como se não bastasse, no momento de irmos embora ela dava-me sempre, mas sempre, algum acepipe, normalmente dos que sabia que eu mais gostava: um ovo verde, um croquete, um queque de manteiga, etc.
Não houve vez em que não tivesse feito isto! - já estávamos quase a voltar costas e eis que ela, muito rápida, em jeito de estar a cometer uma ilegalidade, pegava num guardanapo, e com este açambarcava o petisquinho proibido, esticando-se depois toda por cima do balcão para me alcançar, como quem diz: «pega lá nisto depressa e não contes a ninguém!».
Era uma senhora cheia de problemas, uma filha problemática, um filho longe e que tenho ideia que ficou doente, também pelo que percebia estava separada, vivia longe do local de trabalho, enfim, vidas duras...
Que para uns dão 'desculpa' para tráfico de droga e outros delitos, mas para outros, como a D. Olga, tornam-nos mais fortes e elevam-nos à condição de anjos heróis!...
Por isso dedico o post de hoje à D. Olga, e a todos os anjos que fazem parte do Mundo, e da nossa Vida, acalentando-a e abrilhantando-a. 🙏✨

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